“Foi o ‘Neguinho'”: Jovem é tirado da cama por PMs e preso por crime que não cometeu

“Foi o ‘Neguinho'”: Jovem é tirado da cama por PMs e preso por crime que não cometeu

Diego, um jovem de 23 anos que mora no Capão Redondo e estuda no CIEJA Campo Limpo, acaba de entrar para as estatísticas da seletiva justiça verde e amarela

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Tempo de leitura: 5 minutos

30 horas: esse foi o período em que Diego Moreira Morais foi mantido em cárcere. Mas para quem está convicto de sua inocência, é tempo suficiente para compreender e se revoltar com o controle do Estado brasileiro sobre corpos negros. Preso em casa na manhã da última quinta-feira (19 de outubro), o jovem de 23 anos foi solto na tarde do dia seguinte – e acaba de entrar para as estatísticas da seletiva justiça verde e amarela.

Diego mora no Jardim Rosana, região do Capão Redondo (zona Sul de São Paulo). Sem trampo fixo, faz bicos como pintor e Uber-biker (categoria de entregas por bicicleta da empresa). Também cria letras de RAP e diariamente cola na rádio do CIEJA Campo Limpo – Centro de Educação de Jovens e Adultos, onde termina o Ensino Fundamental. A escola pública é reconhecida nacionalmente por adotar métodos inclusivos de educação. Saiba mais aqui.

Era pra lá que Diego seguia naquela fatídica manhã de 19 de outubro, junto ao primo, onde realizariam um passeio com colegas da escola para um circo. O busão saiu às 08h da manhã. Diego e o primo chegaram às 08h13 e ficaram pra trás. Treze minutos de atraso que selariam o destino próximo. Diego passou com o primo numa Cohab perto dali e, na sequência, seguiram pra casa. Enquanto o parente lavava roupas de seus filhos, Diego voltou pra cama.

O sono não durou muito. Por volta das 11h, policias perseguiam jovens que supostamente teriam assaltado um entregador e fugido com uma Fiorino cheia de mercadorias. Um dos suspeitos teria escapado pelos telhados e passado por cima da casa de Diego. Os policiais invadiram o quintal e até pensaram em prender o primo dele, que estava no tanque, mas outro PM gritou que o suspeito era um “mais neguinho”.

Diego se lembra que foi acordado com uma arma em seu rosto. Policias abriram a janela do quarto e o “renderam” ali mesmo. O boné seria motivo desse reconhecimento. Algemado e arrastado para a viatura, o rapaz viu a avó em prantos. Ainda na viatura, foi fotografado por um dos PMs com um celular, que levou até a vítima do roubo – que não o reconheceu.

Mesmo assim, foi encaminhado para a 47ª Delegacia de Polícia, onde seu irmão partiu para o embate com policiais que o prenderam dentro de casa sem mandato judicial. O flagrante forjado rendeu revista vexatória e cela para Diego, que só à noite conseguiu ver o pai. Sem dinheiro para a fiança, o pai dele contratou uma advogada na porta da delegacia por R$ 1 mil apenas para falar com o delegado e pedir a soltura, já que ele era réu primário.

Na manhã de sexta (20 de outubro), com outros quatro suspeitos, Diego seguiu algemado nos fundos do camburão até o Fórum Criminal da Barra Funda, na zona Oeste, onde novamente passou por revista vexatória e diversas celas até a audiência de custódia. No local, o pai dele pagou outros R$ 2 mil para outro advogado que nunca mais voltou a ver – raspou o dinheiro que guardava na conta para poder viajar no final do ano. Durante a audiência, a advogada do dia anterior estava presente.

Diego foi liberado na tarde daquele mesmo dia, mas não inocentado. Únicas testemunhas do caso, os policiais que o levaram se valem da palavra. O jovem assinou o alvará de soltura por receptação, isto é, sob a acusação de receber os itens da carga roubada. E não pode sair à rua entre 23h e 06h da manhã enquanto aguardava julgamento do caso. Sem chinelo – o dele, que se segurava por um prego, acabou de quebrar durante a prisão –, contou mais uma vez com o pai, que levou um par de tênis para voltar pra casa.

Não se trata de mais um caso isolado – vale lembrar de Rafael Braga. Como Diego, um a cada três presos ou acusados aguardam julgamento no Brasil, segundo o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), em um País com quase 700 mil pessoas encarcerados. Assim como Diego, 96,3% dos presos são homens e 67% são negros (contra uma média de 53% da população geral). Também como ele, 53% têm ensino fundamental incompleto (a média da população é de 28%).

Diego não tem dúvidas, e as aulas no CIEJA fortaleceram esse entendimento: o racismo o prendeu, antes mesmo dos policiais baterem em sua janela. Mas não vai deixar barato até seus familiares voltarem a andar de cabeça erguida novamente na quebrada.

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