São Paulo: Apontado como “solução” para educação, ensino integral avança com resistência de docentes da rede municipal

São Paulo: Apontado como “solução” para educação, ensino integral avança com resistência de docentes da rede municipal

Segundo profissionais da educação, faltam pessoas para tocar programa da Prefeitura paulistana que foca em aumento do tempo de estudantes nas escolas e deixa em segundo plano as demandas de cada território ou ganhos na aprendizagem

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Tempo de leitura: 8 minutos

No início do mês, mais de 1 milhão de estudantes e quase 100 mil profissionais das escolas municipais da cidade de São Paulo voltaram às aulas com muitas novidades. Entre elas, a proibição dos celulares nas salas de aula e a falta de estrutura das escolas para lidar com as intensas ondas de calor.

Esses dois assuntos ofuscaram outra discussão importante na retomada: a ampliação do ensino integral nas unidades administradas pela Prefeitura de Ricardo Nunes (MDB).

Em 2025, as unidades escolares municipais da capital paulista iniciaram o ano letivo com quase 94 mil estudantes dentro do programa São Paulo Integral (SPI). A iniciativa visa aumentar o tempo de permanência nas escolas para, ao menos, sete horas diárias.

A ampliação é gradual e abrange principalmente crianças matriculadas em EMEIs (escolas de educação infantil) e no primeiro ano das EMEFs (escolas de ensino fundamental). A Secretaria Municipal de Educação (SME) destaca um crescimento de 774% em relação a 2018, quando haviam 10,7 mil estudantes nessa modalidade.

“A ampliação do horário por si só não garante melhoria dos índices de aprendizagens”, aponta Edivaldo Nascimento, de 54 anos, professor de Ciências no CEU EMEF Três Lagos, no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo).

Sala vazia em EMEF de Parelheiros

Sala vazia em EMEF de Parelheiros

“Pensar em espaços e ambientes adequados e materiais pedagógicos diversificados contribuiria para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem. E isto demanda mais investimentos na educação pública”, completa Edivaldo.

A Prefeitura paulistana, entretanto, se apega aos números.

O município de São Paulo superou a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação, que prevê que 50% das escolas públicas e 25% do total de estudantes estejam em tempo integral, incluindo a educação infantil. Hoje, cerca de 74% das mais de 4 mil unidades educacionais municipais oferecem a modalidade.

Do total de matrículas da rede, 41,82% têm atendimento em tempo integral, índice superior à média nacional. Contando com as 300 mil crianças que frequentam as creches da Prefeitura, a rede municipal tem cerca de 394 mil estudantes no ensino integral.

Mas nem todas querem aderir ao modelo.

Falta diálogo

A EMEI Gabriel Prestes, na Consolação (região central de São Paulo), ainda não tem ensino integral.

“Eles [da SME] vêm descaracterizando o programa há algum tempo, estabelecendo que tem que ser com foco na no primeiro ano, na alfabetização, sem respeitar o tamanho e a organização de cada escola. Então, tem uma insatisfação geral a respeito”, destaca João Kleber de Santana, 56 anos, diretor da escola.

O educador, que também é membro do Fórum de Educação para uma Cidade Educadora, reforça a importância de uma educação integrada ao território em que está.

“Eu contraponho muito essa concepção da escola alheia ao seu território, como se a escola fosse uma espaçonave independente das condições do bairro, de quem são as crianças, de quem são os seus pais. Na concepção de educação integral, essas coisas precisam ser exploradas, precisam ser identificadas. A escola precisa ter uma raiz”, opina.

João diz que o o programa São Paulo Integral tem sido implementado de “forma autoritária” pela Prefeitura. “Parou de ouvir a rede, as próprias escolas que aderiram ao programa, e a cada ano tem inventado regras novas que vão descaracterizando o programa”, continua.

Para Cleiton Gomes, secretário-geral do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), o projeto é interessante ao aumentar o tempo de permanência de estudantes. Porém, seria preciso considerar outras atividades além da formação.

“É um projeto interessante, mas não como ele tá vindo. Está sofrendo rejeição por parte dos professores por não ter tido esse diálogo e está sendo implantado de cima para baixo”, aponta Cleiton, 57, que é professor de geografia na rede municipal.

Adesão voluntária, mas com insistência

A SME tem investido em dois programas que compõem a Política São Paulo Educadora: o Mais Educação, com atividades opcionais no contraturno escolar; e o São Paulo Integral, tendo a jornada escolar ampliada em todos os dias da semana.

A aula de Ciências é interativa em EMEF de Parelheiros

A aula de Ciências é interativa em EMEF de Parelheiros

No São Paulo Integral, cada Diretoria Regional de Educação (DRE) deve assegurar, no mínimo, 50% das turmas de 1º ano do ciclo de alfabetização com sete horas de permanência escolar.

“Acontece uma série de reuniões e as DREs não obrigam [às escolas a aderirem]. Mas uma parte das DREs é mais incisiva. No caso dos CEUs, entretanto, eles foram ‘obrigados’ porque seguem uma instrução normativa [específica]”, explica Priscila Kodama,  de 60 anos.

A professora aposentada faz parte da coordenação do Fórum de Educação Integral para uma Cidade Educadora (FEICE) e do Conselho Consultivo do Centro de Referências em Educação Integral.

Entre as críticas que Priscila ouve, está o fato de que muitas escolas seguem com dois ou três turnos de aula, sendo um deles com turmas na modalidade integral.

“Se eu quero ter uma escola de educação integral que configure um bom atendimento, não posso ter escola de turno. E estamos falando de um processo de anos, não algo pra ontem ou pra amanhã”, diz ela.

Precarização

O projeto esbarra nas próprias decisões da gestão municipal.

Em 2024, a administração de Nunes modificou o número de docentes nas escolas municipais, resultando em cortes de profissionais e ameaçando o ensino integral. Escolas denunciaram a perda de profissionais de apoio e dificuldades para seguir com projetos extracurriculares.

A SME da Prefeitura paulistana informa que convocou mais de 2,4 mil profissionais de educação a mais entre janeiro e fevereiro. E que, desde 2021, mais de 15 mil pessoas concursadas foram nomeadas.

No corredor da escola, uma pessoa conduz uma criança cadeirante. A escola é acessível

No corredor da escola, uma pessoa conduz uma criança cadeirante. A escola é acessível

Priscila destaca que não existe “mágica” pra fazer o processo funcionar. No momento, a pauta mais importante é ampliar o número de profissionais da educação para atender as demandas.

Porém, o que tem acontecido são conflitos, insatisfação e um jogo de xadrez para montar a grade de aulas, já que uma parcela de profissionais acumula cargos em mais de uma escola.

“Com esses módulos [de educação integral] do jeito que está, não tem condições. E a saída para isso não é a terceirização [das escolas]”, opina a educadora com 40 anos de trabalho no serviço público, sendo 20 deles na gestão.

Diante desse cenário de insatisfação, a realização de uma greve da educação municipal não está descartada. O boato é dado como certo nos corredores e salas de convivência das escolas paulistanas: os braços devem ser cruzados em março.

Edição de Thiago Borges. Fotos: Pedro Salvador (imagens mostram aulas em escola municipal de Parelheiros)

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