No início do mês, mais de 1 milhão de estudantes e quase 100 mil profissionais das escolas municipais da cidade de São Paulo voltaram às aulas com muitas novidades. Entre elas, a proibição dos celulares nas salas de aula e a falta de estrutura das escolas para lidar com as intensas ondas de calor.
Esses dois assuntos ofuscaram outra discussão importante na retomada: a ampliação do ensino integral nas unidades administradas pela Prefeitura de Ricardo Nunes (MDB).
Em 2025, as unidades escolares municipais da capital paulista iniciaram o ano letivo com quase 94 mil estudantes dentro do programa São Paulo Integral (SPI). A iniciativa visa aumentar o tempo de permanência nas escolas para, ao menos, sete horas diárias.
A ampliação é gradual e abrange principalmente crianças matriculadas em EMEIs (escolas de educação infantil) e no primeiro ano das EMEFs (escolas de ensino fundamental). A Secretaria Municipal de Educação (SME) destaca um crescimento de 774% em relação a 2018, quando haviam 10,7 mil estudantes nessa modalidade.
“A ampliação do horário por si só não garante melhoria dos índices de aprendizagens”, aponta Edivaldo Nascimento, de 54 anos, professor de Ciências no CEU EMEF Três Lagos, no Grajaú (Extremo Sul de São Paulo).
“Pensar em espaços e ambientes adequados e materiais pedagógicos diversificados contribuiria para a melhoria do processo de ensino-aprendizagem. E isto demanda mais investimentos na educação pública”, completa Edivaldo.
A Prefeitura paulistana, entretanto, se apega aos números.
O município de São Paulo superou a meta estabelecida pelo Plano Nacional de Educação, que prevê que 50% das escolas públicas e 25% do total de estudantes estejam em tempo integral, incluindo a educação infantil. Hoje, cerca de 74% das mais de 4 mil unidades educacionais municipais oferecem a modalidade.
Do total de matrículas da rede, 41,82% têm atendimento em tempo integral, índice superior à média nacional. Contando com as 300 mil crianças que frequentam as creches da Prefeitura, a rede municipal tem cerca de 394 mil estudantes no ensino integral.
Mas nem todas querem aderir ao modelo.
Falta diálogo
A EMEI Gabriel Prestes, na Consolação (região central de São Paulo), ainda não tem ensino integral.
“Eles [da SME] vêm descaracterizando o programa há algum tempo, estabelecendo que tem que ser com foco na no primeiro ano, na alfabetização, sem respeitar o tamanho e a organização de cada escola. Então, tem uma insatisfação geral a respeito”, destaca João Kleber de Santana, 56 anos, diretor da escola.
O educador, que também é membro do Fórum de Educação para uma Cidade Educadora, reforça a importância de uma educação integrada ao território em que está.
“Eu contraponho muito essa concepção da escola alheia ao seu território, como se a escola fosse uma espaçonave independente das condições do bairro, de quem são as crianças, de quem são os seus pais. Na concepção de educação integral, essas coisas precisam ser exploradas, precisam ser identificadas. A escola precisa ter uma raiz”, opina.
João diz que o o programa São Paulo Integral tem sido implementado de “forma autoritária” pela Prefeitura. “Parou de ouvir a rede, as próprias escolas que aderiram ao programa, e a cada ano tem inventado regras novas que vão descaracterizando o programa”, continua.
Para Cleiton Gomes, secretário-geral do Sindicato dos Profissionais em Educação no Ensino Municipal de São Paulo (Sinpeem), o projeto é interessante ao aumentar o tempo de permanência de estudantes. Porém, seria preciso considerar outras atividades além da formação.
“É um projeto interessante, mas não como ele tá vindo. Está sofrendo rejeição por parte dos professores por não ter tido esse diálogo e está sendo implantado de cima para baixo”, aponta Cleiton, 57, que é professor de geografia na rede municipal.
Adesão voluntária, mas com insistência
A SME tem investido em dois programas que compõem a Política São Paulo Educadora: o Mais Educação, com atividades opcionais no contraturno escolar; e o São Paulo Integral, tendo a jornada escolar ampliada em todos os dias da semana.
No São Paulo Integral, cada Diretoria Regional de Educação (DRE) deve assegurar, no mínimo, 50% das turmas de 1º ano do ciclo de alfabetização com sete horas de permanência escolar.
“Acontece uma série de reuniões e as DREs não obrigam [às escolas a aderirem]. Mas uma parte das DREs é mais incisiva. No caso dos CEUs, entretanto, eles foram ‘obrigados’ porque seguem uma instrução normativa [específica]”, explica Priscila Kodama, de 60 anos.
A professora aposentada faz parte da coordenação do Fórum de Educação Integral para uma Cidade Educadora (FEICE) e do Conselho Consultivo do Centro de Referências em Educação Integral.
Entre as críticas que Priscila ouve, está o fato de que muitas escolas seguem com dois ou três turnos de aula, sendo um deles com turmas na modalidade integral.
“Se eu quero ter uma escola de educação integral que configure um bom atendimento, não posso ter escola de turno. E estamos falando de um processo de anos, não algo pra ontem ou pra amanhã”, diz ela.
Precarização
O projeto esbarra nas próprias decisões da gestão municipal.
Em 2024, a administração de Nunes modificou o número de docentes nas escolas municipais, resultando em cortes de profissionais e ameaçando o ensino integral. Escolas denunciaram a perda de profissionais de apoio e dificuldades para seguir com projetos extracurriculares.
A SME da Prefeitura paulistana informa que convocou mais de 2,4 mil profissionais de educação a mais entre janeiro e fevereiro. E que, desde 2021, mais de 15 mil pessoas concursadas foram nomeadas.
Priscila destaca que não existe “mágica” pra fazer o processo funcionar. No momento, a pauta mais importante é ampliar o número de profissionais da educação para atender as demandas.
Porém, o que tem acontecido são conflitos, insatisfação e um jogo de xadrez para montar a grade de aulas, já que uma parcela de profissionais acumula cargos em mais de uma escola.
“Com esses módulos [de educação integral] do jeito que está, não tem condições. E a saída para isso não é a terceirização [das escolas]”, opina a educadora com 40 anos de trabalho no serviço público, sendo 20 deles na gestão.
Diante desse cenário de insatisfação, a realização de uma greve da educação municipal não está descartada. O boato é dado como certo nos corredores e salas de convivência das escolas paulistanas: os braços devem ser cruzados em março.
Edição de Thiago Borges. Fotos: Pedro Salvador (imagens mostram aulas em escola municipal de Parelheiros)
Paula Sant'Ana, Thiago Borges, Pedro Salvador
2 Comentários
“Resistência dos professores” esse título não condiz com os depoimentos ! O título da matéria induz o leitor a pensar que a extensão de horário de aulas no Ensino Fundamental e na Educação Infantil enfrenta o desacordo dos profissionais de educação, e não explícita que esse foi mais um projeto eleitoreiro em época de eleição de 2024 não tendo nenhuma relação com qualquer concepção de educação integral ! A matéria poderia abordar como estão de fato as escolas – abarrotadas nos períodos onde já era um atendimento precarizado pela não efetivação de professores e demais funcionários , sem falar na ausência total de atenção às crianças deficientes. A gestão Ricardo Nunes que tem à disposição um orçamento de mais de 80 bilhões , sequer investiu nas reformas das escolas ( também obras cheias de ilicitudes e desvio de verbas ) adequação das escolas para contemplar um trabalho pedagógico de fato integral ( as escolas poderiam inclusive ter piscinas e aula de natação ,verba é o que não falta ) , lamentável a matéria colocar o atraso da educação aos profissionais de educação que estão denunciando à população inúmeros problemas no cotidiano escolar , que impactam numa educação pública de qualidade social, óbvio que para muitas famílias o mais importante é o filho ficar na escola 7 , 8 horas … Contudo , essas mesmas famílias não realizam uma reflexão sobre como é e deve ser uma escola com educação integral – isso a matéria também não aborda, essa percepção de que a educação não é individual é coletiva .São Paulo teve 10 anos para implementação da Educação Integral , foram inúmeras discussões acerca e solicitações , contudo no oportunismo eleitoreiro o Prefeito Ricardo Nunes fez à canetada e sim não é verdade que não houve pressão das DREs a matéria não entrevistou diretores , equipes gestoras que foram convocadas nas DREs para serem pressionados a implementação desse modelo de fracasso … Eu trabalho numa escola de período integral – o que vejo todos os dias são crianças cansadas , dormindo no meio d o turno e uma escola abarrotada sem espaço físico para o exercício de uma educação integral com prática de esporte , música , dança , como disse ter acesso a uma piscina , sem ter acesso a uma escola arejada e com recursos para educação integral , aliás a matéria tbm não trata da redução criminosa de verbas que prefeitura fez no início desse ano com bilhões em caixa !! Triste !
O título muita mais indica um apoio a uma falácia que é o que foi implementado – do que uma realidade dos fatos , a resistência dos professores é quanto ao que o dinheiro público da educação tem sido desviado para empreiteiras e outros interesses como ONGs ou Institutos cujo projeto do prefeito é de a partir dos índices das provas externas , a depender dos resultados afastar equipes ..ou seja , nem a legislação federal se respeita ( LDB ) rasgada !! É importante que a população entenda que a partir do momento que uma escola está sob os cuidados de uma ONG ou Institutos ( processo de privatização) as verbas não ficam mais aos cuidados e acompanhamento da APM Associação de Pais e Mestres) , é sobre isso , verbas públicas sendo administradas por outrem . Passada a eleição o prefeito junto à Câmara Municipal aprovou com sua base no final do ano , sem discussão alguma , a lei 18.221 que reduz salários de quem adoecer … Ou seja , de um lado o prefeito reduz verbas das escolas e cobra resultados do padrão das escolas particulares ( palavras do mesmo ) , de outro a situação precária das escolas ( salas superlotadas, violência , infraestrutura….) que adoecem os profissionais de educação, agora punidos também por adoecer !!