Dia da Água no Brasil: 36 milhões não têm água potável e 97 milhões não têm coleta de esgoto

Dia da Água no Brasil: 36 milhões não têm água potável e 97 milhões não têm coleta de esgoto

Instituto diz que dados são subestimados. Metas de universalização podem deixar de fora pessoas que vivem em ocupações, favelas e comunidades tradicionais, por exemplo

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Tempo de leitura: 7 minutos

Com informações da assessoria de comunicação. Foto em destaque: Thiago Borges

Nesta terça-feira (22/3), é celebrado o Dia Mundial da Água. Mas a situação no Brasil ainda é restrita, conforme aponta o Instituto Água e Saneamento (IAS). Em 2020,  36 milhões de pessoas não eram atendidas com serviços públicos de abastecimento de água e 97 milhões não tinham esgoto coletado em todo o Brasil, conforme dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), que reúne informações fornecidas das empresas prestadoras de serviço.

Embora sejam alarmantes, os dados não expressam a realidade do déficit, pois consideram como atendidas as pessoas que habitam em locais com rede pública de abastecimento de água e coleta de esgoto. Isso não significa que essas residências estejam efetivamente ligadas à rede, não sofram interrupções no atendimento ou sejam excluídas pela impossibilidade de pagamento das tarifas.

O levantamento também exclui pessoas em situação de rua que, em março de 2020, eram 221.869, de acordo com o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA).

Os dados oficiais que “mascaram” a realidade são os considerados pelo novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei 14.026/2020), aprovado pelo governo de Jair Bolsonaro, e que provocou uma série de alterações no setor. Entre elas, estão as regionalizações do saneamento, que envolvem novas formas de gestão da política pública, a titularidade compartilhada entre estados e municípios.

Essas mudanças têm como objetivo cumprir as metas de universalização do acesso à água e ao esgotamento sanitário constantes na lei: até 2033, 99% da população brasileira deve ter água potável em suas torneiras e 90%, acesso à coleta e ao tratamento do esgoto.

As metas, além de serem difíceis de alcançar, ainda não refletem a universalização de fato. Os 1% que não serão atendidos com abastecimento de água representam mais de 2 milhões de pessoas e, os 10% sem coleta e tratamento de esgoto, 22 milhões. Parte dos historicamente excluídos continuarão sem atendimento.

Dados mascaram a realidade

“Os indicadores que vêm sendo utilizados não são suficientes. Corre-se o risco de não estarem sendo contabilizados nas metas de universalização os sem acesso ou considerados ‘não atendíveis’, por estarem em aglomerados subnormais e demandarem outras políticas integradas, como urbanização, regularização fundiária e gestão de riscos, ou por estarem mais distantes dos centros urbanos, como comunidades tradicionais, núcleos isolados que demandam soluções descentralizadas e que muitas vezes não estão incluídas na concessão dos serviços de saneamento”, explica a assessora de Políticas Públicas e Planejamento Urbano do IAS, Paula Pollini.

Segundo levantamento do IBGE, em 2019, havia 5.127.747 domicílios ocupados em 13.151 aglomerados subnormais no país, distribuídos em 734 municípios presentes em todos os estados da União e no Distrito Federal. Isso equivale a 7% dos domicílios totais estimados na Pnad do mesmo período.

Por mais que o problema da falta de acesso à água e afastamento de esgotos nos assentamentos precários e carentes de infraestrutura urbana nas grandes cidades seja do conhecimento de todos, o enfrentamento não se dá pela simples ampliação das redes, nos moldes tradicionais da engenharia da prestação dos serviços públicos.

São territórios que demandam soluções específicas e integradas com outras políticas como habitação, eliminação de situações de risco, regularização fundiária… O que faz o prestador não priorizar essas intervenções, pela complexidade, custo e gestão integrada. No entanto, aqui está a prioridade, a concentração de populações mais vulneráveis, que necessitam do direito básico à cidade e saúde. De acordo com o IAS, as novas regionalizações, sejam em termos de planejamento ou da concessão dos serviços, devem ter como foco essas áreas.

Complexidade

O déficit não é homogêneo. No mesmo município pode haver assentamentos urbanos precários e núcleos urbanos isolados. Os dados fornecidos pelo SNIS e uma análise por médias regionais acabam mascarando as desigualdades. Enquanto os índices de atendimento de abastecimento de água das regiões Sudeste e Sul passam dos 90%, apenas 74% da população do Nordeste e 57,5% do Norte possuem acesso à água potável.

É necessário priorizar o conceito de acesso aos serviços de saneamento básico, que considera as pessoas/residências, em detrimento de atendimento, que considera regiões/locais, de forma mais geral, nos dados oficiais, uma vez que o primeiro permite aferir de forma mais assertiva o avanço da meta do Objetivo do Desenvolvimento Sustentável (ODS) 6 e a melhoria progressiva dos Direitos Humanos à água e ao saneamento (GTSC A2030, 2021).

Crise hídrica agrava situação dos sem acesso

Em paralelo, uma crise hídrica de grandes proporções acomete especialmente as regiões Centro-Oeste, Sudeste e Sul do país. A Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) ganhou funções estratégicas a partir da mudança no Marco Legal e, entre suas atribuições, está a edição da norma de segurança, emergência e contingência, inclusive racionamento.

Essa norma é essencial para governos estaduais e municipais, agências reguladoras, prestadores de serviços e consumidores de água, porque oferecerá um conjunto de diretrizes para o enfrentamento dessas situações. A edição, no entanto, foi adiada para 2024, o que pode dificultar ações mais coordenadas entre os diferentes atores sobre o enfrentamento de crises.

Segundo a diretora executiva do IAS, Marussia Whately, a crise hídrica pode se tornar uma crise de abastecimento de água. “Apesar do Brasil concentrar 12% de superfície de água do mundo, cidades como São Paulo e Rio de Janeiro são marcadas por falta de água. É possível afirmar que estamos em uma emergência hídrica e viveremos uma crise pior que a ocorrida em 2013 se não fizermos nada para reverter esse quadro.”

O IAS monitora a implementação do novo Marco Legal desde sua aprovação. O trabalho extenso deu origem à publicação Saneamento 2021 – Balanço e perspectivas após aprovação do novo Marco Legal Lei 14.026/2020.

O Observatório do Marco Legal do Saneamento apresenta os modelos de regionalização que estão sendo adotados com um rico levantamento de documentos, vídeos de audiências públicas, discussões setoriais, um painel de dados que permite acessar indicadores agregados pelas regiões de saneamento instituídas nos estados e outros recortes, além de notícias e artigos no site.O site Municípios e Saneamento apresenta um dossiê sobre a situação do Saneamento nos 5.570 municípios do país.

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