Como funcionam os centros de acolhida para mulheres em situação de violência doméstica?

Como funcionam os centros de acolhida para mulheres em situação de violência doméstica?

A violência de gênero é uma constante o ano inteiro, não apenas em março - mês da mulher. A cidade de São Paulo tem 33 equipamentos voltados ao atendimento de vítimas, mas militante diz que é necessário prevenir que casos aconteçam

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Tempo de leitura: 10 minutos

Por Fabiana Lima. Edição: Thiago Borges. Arte: Rafael Cristiano

É dentro de casa que milhares de mulheres sofrem diariamente violência doméstica.

Na cidade de São Paulo, há centros de acolhida que atuam diretamente para atender essas ocorrências, oferecendo atendimento especializado para cada situação.

Segundo a Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania (SMDHC) da Prefeitura, são 33 equipamentos disponíveis.

A Casa da Mulher Brasileira (CMB), localizada no bairro do Cambuci, é um referencial por reunir no mesmo espaço vários serviços: Juizado, Defensoria Pública do Estado, Ministério Público, Delegacia de Defesa da Mulher (DDM), Poder Judiciário e uma equipe multidisciplinar psicossocial.

Ela também possui um abrigo provisório para a mulher e crianças, caso haja necessidade. O atendimento funciona 24 horas, todos os dias da semana.

A rede conta ainda com 15 Centros de Defesa e de Convivência da Mulher (CDCM), que são equipamentos específicos para mulheres vítimas de violência doméstica. Para caracterizar um caso desses, é necessário que o agressor tenha algum vínculo com a vítima: ser marido ou namorado, ex-namorado, irmão, pai, primo, cunhado, genro, neto, filho etc.

Há também 11 Centros de Referência e Cidadania da Mulher (CRCM) espalhados pela região de São Paulo. Neste caso, os espaços acolhem vítimas de violência de gênero em seu sentido amplo, como violência sexual ou violências praticadas na rua por algum desconhecido.

Você pode conferir os endereços de toda a rede assistencial de São Paulo clicando aqui.

Acolhida fundamental

Em geral, as mulheres chegam a esses serviços encaminhadas por um Centro de Referência de Assistência Social (CRAS), uma Unidade Básica de Saúde (UBS) ou pelo Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua (Centro Pop). Outras tomam conhecimento por vizinhas, amigas ou familiares que já foram atendidas, e algumas vão de maneira espontânea.

O acolhimento é a etapa mais importante do atendimento, pois em muitos casos é a primeira vez que essa mulher está falando sobre a violência com alguém. É um momento de escuta sensível e atenta, porque é nele onde será feito o diagnóstico que definirá quais diretrizes tomar dali em diante.

O Centro de Defesa e Convivência da Mulher – Casa Sofia, na zona Sul paulistana, é um exemplo desses espaços.

Muitas atendidas, mesmo buscando ajuda, não conseguem identificar que estão sofrendo violência. É no acolhimento que suas próprias vidas podem ser redefinidas.

A casa atende das 8h às 17h e é fechada aos finais de semana. Mas em situações em que se constata risco iminente à vida, a mulher acolhida é encaminhada para um abrigo. O endereço é mantido sob sigilo para garantir sua segurança. A permanência é de até seis meses, podendo ser prorrogada conforme avaliação.

A Lei Maria da Penha (Lei n.º 11.340/2006) caracteriza como violência doméstica danos patrimoniais; violência moral; física e psicológica.

“Como ter acesso à lei Maria da Penha? Ela protege mesmo as mulheres?”

Para Gildete Soares, assistente social da Casa Sofia, a violência psicológica é uma das mais sérias por ser justamente difícil de detectar.

“Para identificar um relacionamento abusivo, é a partir do momento que ele começa a dar sinais. Toda violência começa pela psicológica e às vezes a mulher confunde a violência com cuidado”, aponta Gildete.

A assistente ainda pontua a importância de estar atenta a esses sinais, porque é a partir daí que virão outros tipos de violência, como a física.

“A violência começa tão sutilmente que a mulher vai confundindo isso com amor, com ciúme. Já chegou uma mulher dizendo que ela ia estudar, por exemplo, e dela sair para ir ao banheiro e ele acompanhar e ficar na porta do banheiro esperando ela sair. E quando a gente vai falar que isso é uma violência, ela diz ‘não, ele tinha medo que acontecesse alguma coisa comigo’”, enfatiza.

Além do abuso psicológico, um dos maiores obstáculos que elas enfrentam é a dependência financeira. Muitas se mantêm num relacionamento violento por não terem outra saída. Com a rede de apoio enfraquecida, ficam sujeitas a essa condição.

Caminhada pela Vida e pela Paz de 2024 marchou por vida de meninas e mulheres (foto Vitori Jumapili)

Caminhada pela Vida e pela Paz de 2024 marchou por vida de meninas e mulheres (foto Vitori Jumapili)

Por isso, após atendidas as urgências, o serviço verifica se as vítimas já estão inseridas em algum programa de benefício do governo, como de transferência de renda, o Bolsa Família, ou auxílio-aluguel, conforme o perfil da atendida.

A intenção é facilitar qualquer processo que acelere o rompimento da violência relacionada a outras vulnerabilidades. É importante destacar que é a mulher quem define junto à equipe quais estratégias irá tomar.

O trabalho multidisciplinar inclui o suporte jurídico, que engloba orientações sobre divisão de bens, guarda compartilhada ou unilateral, caso haja dependentes com menos de 18 anos. Essas demandas são encaminhadas à Defensoria Pública.

A etapa não é só burocrática: os direitos são apresentados a quem antes só conhecia deveres – e apesar de dolorosa, é uma jornada de autodescoberta.

Caminho possível

Caminhada pela Vida e pela Paz de 2024 marchou por vida de meninas e mulheres (foto Vitori Jumapili)

É no convívio que elas se reconhecem umas nas outras.

As que chegam primeiro estão mais fragilizadas e querem desistir. No entanto, as que já atravessaram a etapa do começo estimulam as demais porque sabem que vale à pena.

A Casa Sofia oferece um serviço continuado, com atividades semanais de artesanato, pilates e eventos sazonais, como o Dia Internacional da Mulher e Outubro Rosa.

É em grupos de WhatsApp que elas também se conectam e cuidam para que as novas amigas não faltem às atividades, essenciais para os novos fortalecimentos de vínculos.

O exemplo e as histórias de superação são grandes aliados nessa batalha. Em vista disso, a Casa Sofia criou as “bonecas penhas”. São bonecas de MDF que simulam mulheres. Nelas, são penduradas histórias de mulheres reais, algumas com histórias felizes, outras não.

“Hoje eu vivo melhor, um pouco mais tranquila, já consigo sorrir, consigo ver melhor essas situações de vida… Não aguentava mais o que vivia na minha vida. Hoje, penso em ter uma vida de paz e muita tranquilidade”.

A identidade é preservada, mas a história é compartilhada para que se saiba que escolher, pavimentar outro caminho é uma construção possível.

Prevenir para não remediar

Segundo a SMDHC, somente pela Casa da Mulher Brasileira (CMB) foram realizados 145.939 atendimentos entre 2021 e 2024.

No entanto, para Luana Oliveira, é preciso pensar além dos números, pois eles não são capazes de abarcar as subjetividades envolvidas.

“Quando a gente fala que não vai dar conta, isso não é nem só em termos quantitativos, mesmo que a gente tenha serviços suficientes, esses serviços não dão conta da subjetividade de cada relação, de cada família”, pontua Luana, que é educadora popular no Centro de Direitos Humanos e Educação Popular de Campo Limpo (CDHEP) e integrante do Fórum em Defesa da Mulher e da Coletiva Periferia Segue Sangrando.

Ela cita problemas estruturais de mobilidade, como a distância e a falta de recurso para uso do transporte. Fora a CMB, o resto da rede atua em horário comercial. Isso é outro problema, uma vez que a violência ocorre possivelmente à noite e aos finais de semana.

Segundo o relatório Elas Vivem: Um Caminho de Luta, da Rede Observatórios da Segurança, em 2024 o Estado de São Paulo registrou 374 mortes de mulheres, entre feminicídio e homicídio – 53 mortes foram com objetos cortantes. A pesquisa mostra que São Paulo apresenta um aumento de violência contra a mulher em relação aos outros estados analisados.

Luana Oliveira enxerga um abismo quando os esforços são voltados apenas para conter a crise e aponta a prevenção como o caminho.

“A gente precisa começar a pensar em estratégias de prevenção e parar de achar que atuar no problema, remediar é a maneira correta de tratar. A gente precisa ampliar as políticas públicas de uma forma geral, inclusive pautando recursos e investimento”.

Ela também defende a integração das políticas públicas.

“A gente precisa de um serviço multidisciplinar, precisa acionar toda a rede de serviços: saúde, educação, cultura e lazer, trabalho digno, programas de transferências de renda, mas o Estado não faz isso. O Estado não faz a prevenção e depois precisa atuar no problema. E isso é tarde, porque as mulheres morrem”.

Na zona Sul de São Paulo, mulheres periféricas marcham contra violência, pela vida e por direitos

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