Viver mais e com qualidade nas periferias passa por garantia de direitos básicos

Na quinta roda de saberes realizada pela Periferia em Movimento, ativistas abordam longevidade na quebrada

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Tempo de leitura: 7 minutos

“A gente entende que, para ter longevidade, precisa ter direitos básicos. Por isso, a gente trabalha para tirar os problemas da comunidade da invisibilidade e trabalhar em cima desses problemas”.

A fala acima é de Karoline Freire Dias. Aos 18 anos, ela emerge como uma jovem liderança na Ilha do Bororé, península margeada pela represa Billings, localizada no distrito do Grajaú, Extremo Sul de São Paulo.

Karol, como é conhecida, faz parte da Casa Ecoativa e da Na Ilha Agência de Educomunicação. Por meio de fanzines e redes sociais, o grupo aborda a crise climática a partir das demandas locais, como a falta de saneamento, fornecimento de energia, transporte e desmatamento.

Philippe Mendes, também de 18 anos e integrante do coletivo, ressalta que a dependência de energia clandestina por boa parte da população do bairro prejudica muito a comunidade.

“Quando acaba a luz numa tempestade, como no ano passado, a gente fica em último na prioridade [para resolver o problema], aponta ele

A discussão permeou a roda de saberes “Longevidade nas Periferias”, promovida no último sábado (15/3) pela Periferia em Movimento no Centro Cultural Grajaú. Essa é a quinta e última roda de saberes do tipo, que relaciona a comunicação com outras questões que atravessam o dia a dia das periferias.

O evento faz parte do projeto “Repórter da Quebrada – Gerações Periféricas Conectadas”, apoiado pela 8ª edição do Programa de Fomento à Cultura da Periferia, da Secretaria Municipal de Cultura da Prefeitura de São Paulo.

Viver ou sobreviver?

Segundo o Censo 2022 do IBGE, o percentual de pessoas acima dos 60 anos aumentou 57,4% desde 2010, correspondendo a 15,81% da população brasileira.

Estudos afirmam que até 2060 esse grupo de pessoas vai representar um terço da população nacional, acima do número de crianças e adolescentes.

Apesar do envelhecimento natural desde o início dos anos 2000, inclusive nas periferias, a realidade é que as quebradas ainda estão muito aquém da expectativa de vida experimentada nas regiões mais ricas da cidade.

Enquanto uma pessoa vive em média até os 82 anos no Alto de Pinheiros ou 81 nos vizinhos Pinheiros e Jardim Paulista, no distrito periférico de Anhanguera (zona Noroeste), ela chega até os 58 anos, em média.

Somando os 96 distritos, a idade média ao morrer na cidade de São Paulo é de 70 anos. Porém, muitas quebradas registram índices bem abaixo disso: quem mora no Iguatemi ou Cidade Tiradentes (no Extremo Leste) tende a registrar uma idade média ao morrer de 60 anos.

“Muitas pessoas não envelhecem. Basta andar nos cemitérios públicos e ver que a maioria das pessoas pobres morrem jovens. Então, a longevidade nos termos que a sociedade contemporânea impõe não é para nós, gente negra e gente pobre. Nossa luta elementar é mais para sobreviver do que viver mais ou viver bem”, aponta Salloma Salomão, outro convidado da roda de saberes.

O educador, pensador e multiartista de 64 anos nasceu em Minas Gerais e circulou por diferentes quebradas de São Paulo, como o próprio Grajaú.

Salloma chama a atenção para o morticínio praticado nas periferias desde os 1970, com os grupos de extermínio formados por “pés de pato”, até a chamada guerra às drogas contemporânea.

“É uma máquina de moer gente. E tem a ver com a desigualdade. E isso é o que me impede de ter um bom ônibus. A gente mal conseguia arrumar emprego”, aponta Salloma.

Além da epidemia de violência nos territórios periféricos, o convidado lembra o surgimento da Aids e o estigma envolvendo as pessoas que viviam com HIV a partir dos anos 1980.

Para ele, o revide começou com o movimento hip hop encampando as bandeiras do movimento negro e a apropriação do debate político pela juventude periférica.

“Nós precisamos evoluir dos macrotemas que estão postos e pensar nos temas que nos afligem diretamente. A política é uma delas, a distribuição de renda é outra, as políticas públicas são as mais importantes e o dinheiro não chega onde estamos. É por isso que morremos cedo, envelhecemos mal e nossa saúde é mais frágil”, destaca Salloma.

Progresso para a quebrada

“Depois que as pessoas envelhecem, muitas vezes elas ficam esquecidas. Ninguém quer ter o prejuízo de cuidar e isso é muito egoísmo”, aponta Nicole Ciriaco, de 15 anos.

A estudante fala da experiência de ouvir os relatos da avó, que cuidou de irmãos, filhos e não teve a oportunidade de estudar – e como esse sacrifício pessoal foi importante para que a geração dela tivesse uma vida mais digna hoje.

Nicole é uma das jovens integrantes do Consciência Feminina na Escola (CFE), que defendem avançar sem deixar ninguém para trás desde já.

A coletiva surgiu a partir de atividades com alunas na EMEF Padre José Pegoraro, também localizada no Grajaú, para discutir questões de gênero, aprender e também ensinar.

“Minha tia que trabalha na EMEF não sabia o que era feminismo. Ela cresceu num ambiente machista, o algoritmo das redes entrega conteúdo machista para ela, então quando cheguei em casa e falei do projeto minhas tias e minhas primas começaram a entender o que era, os direitos, de poder se posicionar como mulher”, exemplifica Arianne Camille, 19, que também faz parte da coletiva.

A coletiva parte de experiências individuais que também são coletivas para transformar o presente e construir um futuro com alguma igualdade.

“Nossa geração está em contato com muitas coisas. Há um excesso de informação, com acesso a tudo, com inteligência artificial. E eu acredito muito nessa luta pra progredir. A gente lutou tanto até aqui que não podemos dar um passo atrás”, completa Hallana Reis, de 19 anos.

Dica

A roda de saberes foi antecedida pela exibição do documentário “Quantos Dias. Quantas Noites”. O documentário aborda a questão da longevidade e está disponível no youtube. Assista abaixo:

Fotos: Pedro Salvador

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