Nossos dados valem ouro: o que precisamos saber sobre isso?

Você troca dados pessoais por um preço mais baixo no desodorante ou na caixa de cerveja? A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ainda gera dúvidas e comportamentos diversos nas periferias

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Por Paula Sant’Ana

Orientação de reportagem: Gisele Brito. Edição de texto: Thiago Borges. Artes: Rafael Cristiano (sobre foto de arquivo pessoal de Diego Dantas)

Você troca dados pessoais por um preço mais baixo no desodorante ou na caixa de cerveja? Sabe o que acontece com sua informação depois disso? A real é que nossos dados valem ouro e podem gerar lucro aos empresários. Por isso, conhecer a Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD) ajuda a evitar as armadilhas dessa vida digitalizada. Mas o assunto ainda gera muitas dúvidas e comportamentos diversos.

Para o jornalista Diego Dantas, 22, morador de Itaim Paulista (zona Leste de São Paulo). existem benefícios ao ceder essas informações. “Geralmente eu utilizo [o CPF] na rede de drogarias em que tenho cadastro, pois ela oferece um desconto melhor nos produtos e medicamentos”, diz ele. Nem sempre foi assim. “Comecei a utilizar o famoso CPF na nota há 2 anos. No começo fiquei com o pé atrás. Depois, ficou muito atrativo continuar utilizando”, completa.

A experiência de Diego demonstra como, diariamente, cedemos voluntariamente nossas informações com a promessa de algum privilégio. Algumas questões ficam sem resposta: o que é feito com isso depois? Onde esses dados ficam armazenados? Alguém se beneficia disso? Quem tem acesso a eles?

“Eu acredito ‘naquelas'”, desconfia a estudante de psicologia Francielly Leão, 20, de Ermelino Matarazzo (zona Leste). “Nós não entendemos a dimensão do processo de segurança dos nossos dados, ou como funciona o giro da proteção das nossas informações. Acredito na grande possibilidade de um mau uso dos mesmos”.

Já o estudante de jornalismo Luís Carlos dos Santos, 22, de Diadema (SP), sabe que as informações são a moeda de troca da atualidade. Por isso, tenta manter seus dados sempre protegidos. “Eu queria entender se há um órgão ao qual o indivíduo possa recorrer, embora já imagino que seja direito do consumidor e que talvez não haja algo mais avançado em relação aos problemas que podem surgir contra nós devido ao uso de nossos dados por terceiros”, diz ele.

A questão de Luís Carlos é pertinente, ainda mais em um momento de avanço da digitalização do cotidiano e em situações que acabam passando batidas.

“O CPF, por exemplo, é um dado que talvez muitas pessoas não entendam como uma coisa grave que saibam porque, no dia a dia que a gente vive hoje, muitas pessoas se ‘conformaram’ com essa ideia de que certas coisas já foram, de que a gente já perdeu esse controle”, explica Mariana Rielli, advogada e gerente de projetos da Data Privacy Brasil, uma ONG que realiza pesquisas de proteção de dados pessoais, privacidade e direitos fundamentais.

O “CPF na nota”, como é conhecido o programa Nota Fiscal Paulista e que ainda gera desconfianças, foi instituído em 2007 em São Paulo pelo governo estadual com objetivo de combater a sonegação fiscal. Depois de um tempo, os consumidores podem resgatar bônus em dinheiro. Já os “clubes de desconto” e outras iniciativas criadas por empresas privadas têm o objetivo de traçar um perfil dos clientes e fidelizá-los por meio de ofertas mais atrativas. Em ambos os casos, governo ou setor privado, a LGPD se aplica. 

A lei, que está em vigor desde agosto de 2020, não tem o intuito de impedir a captação dos dados, mas regular de que forma eles serão utilizados. Com a LGPD, o consumidor tem respaldo para checar quem, por que e de que forma utiliza essas informações sem ferir sua liberdade, intimidade e privacidade. 

“Quanto mais claras as informações disponibilizadas sobre quais dados serão coletados, como serão utilizados e por quanto tempo eles serão armazenados, maior transparência haverá entre empresa ou outra entidade responsável e o titular dos dados”, explicam os especialistas em Direitos Digitais do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec).

No automático

Não é só no balcão do comércio físico que o cuidado é necessário. Na internet, cookies, termos de responsabilidade e permissões são solicitadas em cada site que navegamos. E toda vez que a gente clica em “aceito”, isso gera um dado para quem tá do outro lado. Muitas vezes extensos, esses apêndices que contêm o resumo do que é captado são considerados cansativos e muita gente nem lê.  

“É mais fácil confirmar lá do que ler e ver certinho o que tem. Se fosse uma coisa mais simples, até se fosse um videozinho explicando, seria bem mais simples. Do jeito que tem um monte de termo lá, a maioria não lê, não”, admite o motorista de aplicativo Felipe Delmondes, 26, de Osasco.

“Mesmo com várias melhorias a gente ainda não chegou no estado ótimo em que as políticas são claras, mas o que muitas empresas têm feito é tentar reduzir os textos, buscar utilizar elementos visuais, ícones, coisas que deixem a leitura mais fluida”, observa Mariana, do Data Privacy. “A ideia é que a transparência não vai se encerrar só no termo de uso, mas ter outros tipos de comunicação, seja no site ou em outros lugares”.

Os especialistas do Idec reforçam que toda ação deve ser voluntária e sempre informada, não mecanizada por conta de pressão ou falta de opções de recusa, tanto na internet quanto fisicamente. “O que significa dizer, resumidamente, que a pessoa não somente clicou em ‘aceitar’ ou algo do gênero de forma automatizada, mas realmente entendeu quais dados serão coletados e como serão tratados e, a partir disso, consentiu verdadeiramente”, diz o grupo.

Para a analista de atendimento Camila Kuhn, 21, do Campo Limpo (zona Sul), ainda falta clareza. “Sinceramente, acho que as empresas não são totalmente transparentes quanto ao uso dos nossos dados pessoais. Simplesmente falam que estão protegidos, mas quando alguma plataforma vaza os dados, nós somos os principais lesados. Acredito que pra me sentir mais protegida dentro de plataformas digitais temos que seguir algumas normas”.

O receio faz sentido. Uma reportagem do UOL revela que o reconhecimento facial, medida criada para dar maior segurança a dispositivos e operações, tem sido utilizado para aplicar golpes. Por meio da leitura biométrica, golpistas conseguiram fraudar identidades e liberar financiamento de veículos sem que os detentores dos dados soubessem.

O cuidado e a vigilância ganharam mais importância com acontecimentos recentes como o mega vazamentos de dados, em janeiro deste ano, em que 223 milhões de brasileiros tiveram suas informações divulgadas na internet. Por isso, trazemos abaixo medidas de segurança e atenção indicadas pelo Idec.

  • Fique atento e desconfie: redobre os cuidados. Os vazamentos atuais podem levar à perfilização (traçar perfil comportamental do indivíduo) e até a fraudes
  • Atenção máxima nas transações financeiras. É necessário acompanhar mais frequentemente a conta corrente e de crédito e colocar notificações de transação se possível. Confira as contas e créditos em seu nome no Registrato, do Banco Central
  • Senha secreta e forte. Não compartilhe suas senhas e as mantenha sempre com um nível forte de segurança, sempre (1) tendo senhas com muitos caracteres (acima de 10); (2) misturando maiúsculas e minúsculas; (3) com números e caracteres especiais (#, @, !), inclusive em substituição a letras (ex: C@ch0rr0 ao invés de cachorro); (4) não coloque informações fáceis na sua senha, como data de nascimento. Além disso, não tenha a mesma senha para diversos serviços
  • Dupla autenticação. Você pode optar por outra forma de verificação, um código a mais para garantir sua identidade (além da sua senha), que pode ser um número aleatório ou até adicionando o requisito extra de confirmar sua identidade através de seu e-mail ou de um aplicativo confiável da plataforma. Isso vale especialmente para e-mail e WhatsApp
  • Não compartilhe códigos de confirmação. Por exemplo, o código de confirmação do WhatsApp. Fique atento se algum código por mensagem for pedido por telefone ou mensagem
  • Cheque a confiabilidade dos remetentes e sites. Verifique se o remetente do e-mail é confiável (por exemplo, se não tem um nome suspeito ou se é um endereço comum, como @hotmail.com ou @gmail.com, ao invés de ser de uma empresa); se a conta de WhatsApp que se diz ser de uma empresa tem selo de autenticidade; se o telefone no qual pedem seus dados realmente é da empresa que se diz que é.

*Paula Sant’Ana é participante do “Repórter da Quebrada – Uma morada jornalística de experimentações”, programa de residência em jornalismo da quebrada realizado pela Periferia em Movimento por meio da política pública Fomento à Cultura da Periferia de São Paulo

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