Gibinha, vítima do Estado: Um artista eternizado nos muros da Favela da Felicidade

Gibinha, vítima do Estado: Um artista eternizado nos muros da Favela da Felicidade

No mesmo dia em que milhares de pessoas saíram às ruas pedindo "Fora, Bolsonaro", moradores de periferia paulistana fizeram um ato em memória de Gibinha, mais uma vítima do genocídio promovido pelo Estado

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Texto e fotos por Julia Vitoria

Foi em um fim de tarde, na Favela da Felicidade (Jardim São Luís, zona Sul de São Paulo), que o Zizi teve sua última conversa com o também artista Gilberto Amancio de Lima – jovem de 30 anos mais conhecido como Gibinha. “A gente pintou o mural do campo [de futebol] e, no caminho da volta pra casa ao fim do dia, ele veio com um desenho e falou: ‘Zi, eu tenho esse desenho aqui e tal’. E era um desenho mó bonito, parecia ser uma índia. E eu falei: ‘Mano, da hora. Sobrou um espaço do muro lá. Quando você quiser fazer eu te ajudo’”, lembra Zizi.

Não deu tempo.

Esses planos e sonhos foram interrompidos em uma tarde de sexta-feira, dia 14 de maio. Numa viela próxima à casa de sua mãe, Gibinha foi morto com 6 tiros pela Polícia Civil do Estado de São Paulo. Depois de ir em vários lugares, a família encontrou o corpo dele à noite no IML (Instituto Médico Legal) da região da Berrini, onde chegou como indigente. Gibinha deixou um filho de 3 anos.

Com o objetivo de manter a memória do artista viva, no último sábado (29/5) a Rede de Proteção e Resistência ao Genocídio se reuniu com moradores e outros coletivos da região para fazer uma ação no local.

Naquele mesmo dia, milhares de pessoas saíram às ruas de todo o Brasil para protestar contra o governo de Jair Bolsonaro, a quem movimentos acusam de promover um genocídio por meio da propagação do coronavírus, da gestão que propicia a fome a violência estatal. 

“A preocupação que tivemos quando pensamos em fazer esse ato era de que essa memória, de quem ele era de verdade, permanecesse para além de mais um preto, pobre, favelado morto pela polícia”

Luana de Oliveira, 39, professora de geografia, mestranda em sociologia e integrante da Rede

A ação teve como ponto de encontro o Espaço Felicidarte, casa de Zizi que funciona também como um ateliê de artes que fomenta várias atividades de cultura dentro da favela, além das artes plásticas. Durante a atividade, lambes, stencil e grafites foram feitos nos portões e paredes dos moradores. Todos se sentiam orgulhosos por cederem seus muros para homenagear Giba. 

Nos muros e paredes da favela onde cresceu, Gibinha contava histórias com sua arte, desenhando desde o brasão do time da região até fachadas de estabelecimentos. Conhecido na comunidade como o “menino que jogava bola e desenhava”, segundo seu irmão Jeferson de Jesus Lima, 24, ele herdou o talento para a caneta com o pai, que era ajudante de pedreiro e rabiscava plantas para construção. As gravuras não ficavam só nas paredes. Giba também era tatuador e tinha planos para começar seu próprio estúdio de tatuagens. 

“Essa ação é uma denúncia contra a violência do estado, porque a gente não aguenta mais. Mas ela também precisa ser uma coisa que traga essa memória do indivíduo que o Gibinha era”, continua Luana. 

A morte de Giba: do luto à luta

No dia de sua morte, Gibinha ia tatuar um vizinho, mas acabou sendo morto em decorrência de uma ação da polícia na rua Um. De acordo com o boletim de ocorrência, César Augusto de Oliveira, Emiliano Aparecido Podadera Bechelani e José Ney Lopes, eram os policiais dessa ação. No entanto, o depoimento que consta no documento é do policial civil condutor Rodrigo Vieira de Oliveira, que não estava no momento da morte de Gilberto. 

Ainda de acordo com o boletim, os 3 policiais teriam percebido a presença de 2 pessoas, que estariam com “atitude suspeita”, mas não especificaram quais eram as atitudes no documento. Neste momento eles pediram para que os homens levantassem as camisetas. Foi quando, segundo o BO, um dos homens teria corrido e Gilberto teria levantado a camiseta e sacado uma arma. No mesmo instante, os 3 policiais dispararam 6 vezes em sua direção. 

Com Gilberto já no chão, o policial José Ney se aproximou e afastou a suposta arma que estaria com ele. A arma teria quebrado e, nesse momento, os policiais descobririam que na verdade era de brinquedo. O delegado Henrique N. Stangari Angelo, que assina o documento, aponta o crime de homicídio simples e morte decorrente de intervenção policial. O Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (SAMU) constatou o óbito na hora.

Moradores, no entanto, apontam outras informações. Em imagens encaminhadas para a Ponte Jornalismo, Jeferson conta que a arma de brinquedo foi colocada pela perícia próxima de Gibinha e que na verdade foi o carro da perícia que retirou seu corpo do local, e não o SAMU, como consta no boletim. 

“O que eu compreendo que a família esteja cobrando principalmente  é qual a justificativa que esse sujeito dá para dar 6 tiros em uma pessoa desarmada? O ato de hoje serve também para que esses policiais, núcleo de segurança pública, entendam que essa comunidade e que essa família não estão sozinhas. Vocês podem até vir aqui novamente cometer novas atrocidades, mas novamente a gente vai estar aqui também”, pontua a assistente social Edijane Alves, 38, que também integra a Rede. 

O grupo tem advogados acompanhando o caso e está reunindo provas para fazer uma denúncia à Corregedoria da Polícia. A Defensoria Pública também averigua a situação. “O trabalho não finda com a morte do indivíduo. Na verdade, ele começa a partir dessa violação de direito”, observa Edijane.  “Eles têm o aparato de armas, nós temos a comunidade. Ninguém aqui anda armado. A nossa arma é sair nas ruas e gritar por justiça”. 

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1 Comentário

  1. […] Coalizão também clama por justiça para o caso de Gibinha, como era conhecido Gilberto Amâncio. O tatuador e artista de 30 anos foi assassinado em 14 de […]

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