Escritureiros: a aventura de jovens que transformam Parelheiros com a literatura

Na primeira reportagem do projeto "Cultura ao Extremo", vamos falar sobre os Escritureiros - um coletivo de jovens que incentiva a leitura no Extremo Sul de São Paulo

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“O menino do pijama listrado” foi o primeiro livro a tocar profundamente Sidineia Chagas. A obra do escritor John Boyne, lida durante o Ensino Médio, despertou uma paixão.

Entretanto, das muitas histórias que conheceu em seus 23 anos de vida, a da própria Sidineia é a mais interessante.

Sidineia e outros jovens realizam um importante trabalho sociocultural de incentivo à leitura no Extremo Sul de São Paulo. Juntos, eles são os Escritureiros – Aventureiros da Escrita de Parelheiros, que atuam desde 2008 nesse distrito localizado a 40 quilômetros do centro da cidade.

É sobre esse trabalho que vamos falar na primeira reportagem do “Cultura ao Extremo”, projeto realizado com apoio do programa Agente Comunitário de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo que tem o objetivo de mapear e visibilizar as manifestações culturais no Extremo Sul. Para saber mais e participar também, clique na imagem abaixo ou responda ao questionário no final da matéria.

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Primeira página

A trajetória de Sidineia pelo universo da literatura começa em 2004, quando ela se mudou com a mãe e os três irmãos do Jardim Orion (próximo ao Sesc Interlagos) para o Barragem – uma comunidade afastada de Parelheiros.

Ficou grávida adolescente e por isso, em casa, a pressão para trabalhar foi grande. Mas a paixão pelos livros era maior e Sidineia continuou como voluntária na biblioteca da escola onde estudava.

Entre um romance e outro, ela conheceu o trabalho do Instituto Brasileiro de Estudos e Apoio Comunitário (Ibeac). A ONG chegou à região em 2008 após um estudo apontar Parelheiros como o distrito paulistano com o maior indíce de mães adolescentes, assim como Sidineia.

O isolamento da população local, a invisibilidade da região e, consequentemente, a falta de políticas públicas e projetos sociais têm influência direta nesse cenário.

Diante disso, entre 2008 e 2009 o Ibeac juntou 60 jovens da comunidade em um projeto com objetivo de debater e disseminar os 60 anos da Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas. Das rodas de conversa, emergiu a necessidade de incentivar a leitura entre os moradores locais. Afinal, nem todos eram como Sidineia, que insistia até conseguir um livro emprestado.

“Na escola mesmo, eles [administradoes] diziam que só podia entrar na biblioteca se fosse fazer alguma pesquisa ou trabalho escolar. Então, como eu ia ter contato com o livro? Precisaria ir numa livraria no centro e comprar um? O problema é que aqui as pessoas mal têm dinheiro pra pagar a passagem…”, conta Sidineia.

Assim nasceram os Escritureiros, cuja primeira ação foi cria a Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura, que começou a funcionar em 2009 na Unidade Básica de Saúde do bairro.

Apesar de pequeno, o espaço emprestado ainda era dividido com os agentes comunitários de saúde. O aperto acabou em 2010, quando Sidineia e seus amigos receberam um convite inusitado.

“Abrimos a biblioteca no cemitério”, lembra ela, referindo-se ao Cemitério do Colônia, o mais antigo cemitério protestante do Brasil, construído em 1842 pelos imigrantes alemães que fundaram o bairro do Colônia, vizinho ao Barragem.

Desde então, a Biblioteca Caminhos da Leitura funciona na antiga casa do coveiro. A “proximidade com o além” é um trunfo para ampliar o trabalho do coletivo.

Todo mês de novembro, por exemplo, quando se celebra o Dia de Finados, os Escritureiros realizam o Sarau do Terror.

“Queremos mostrar que existe vida mesmo onde há morte. Você pode visitar o túmulo de um parente e oferecer uma leitura”, explica Sidineia.


Novos capítulos

E como há vida no cemitério. Foi ali que os Escritureiros realizaram seu primeiro projeto, “Sementes”, que tinha como público-alvo crianças até cinco anos, gestantes e não-gestantes.

E a diversidade cultural de Parelheiros, que conta com influência dos índios guaranis, imigrantes japoneses e alemães e migrantes de diversas partes do Brasil – especialmente do Nordeste e de Minas Gerais – permite aos Escritureiros criarem diferentes repertórios, como os encontros de comidas típicas ou bate-papos sobre como a morte é encarada em cada cultura.

O grupo também faz cortejos literários com cantigas e brincadeiras com mediação de leitura e distribuição de livros nos intervalos. Hoje, a maior parte das atividades acontece em escolas públicas do Barragem, Colônia e Nova América.

A maior dificuldade é ter recursos financeiros e pessoas pra tocar tantos projetos.

“Quando levamos stencil pros muros ou oficinas paras escolas, estamos propiciando cultura para as pessoas. Mas, por ser uma região afastada e sem visibilidade, não temos apoio do poder público. E por conta disso a própria comunidade muitas vezes não acredita em projetos sociais. Mas o que a gente mostra é que isso é possível. Não precisa buscar de fora, mas fazer com que as coisas aqui dentro se fortaleçam”, completa Sidineia.

Com apoio ou não, os projetos continuam.

Os cinco Escritureiros administram a biblioteca comunitária no Colônia de segunda a sexta, das 09h às 17h, mantém um ônibus-biblioteca no Barragem, realizam mapeamentos sobre a história da região, se articulam com movimentos locais, discutem literatura com grandes autores como Luiz Ruffatto e ainda encontram tempo para participar de feiras literárias.

A propósito, inspirados na famosa feira de Paraty (RJ), ainda este ano os Escritureiros planejam fazer a primeira FLIPA – Feira Literária de Parelheiros e colocar o Extremo Sul na rota dos festivais. Alguém duvida da capacidade de Sidineia e sua trupe?

 

Tudo sobre… 

Escritureiros – Aventureiros da Escrita em Parelheiros

Região de atuação: Barragem, Colônia e Nova América – Distrito de Parelheiros

Linguagens: literatura, saraus, oficinas, graffiti, apresentações musicais

Temas abordados: Arte e cultura, juventude, direitos humanos, meio ambiente, história e memória local, empreendedorismo, culturas populares, culturas afrobrasileiras, culturas indígenas e literatura

Público principal: crianças e adolescentes

Como integrar: precisa ser voluntário

Com quem se articula: Artistas locais e de outras localidades, Escolas públicas, Entidades do terceiro setor locais e de outras localidades, Famílias, Fóruns de discussão, Líderes comunitários, Líderes religiosos, Movimentos sociais

Como se mantém: Recursos próprios, Apoio de patrocinadores (empresas), Editais públicos (VAI, Proac, Ministério da Cultura, etc.), Apoio do poder público (exceto por meio de editais), Ajuda da comunidade

Maiores dificuldades enfrentadas no dia a dia: Falta de recursos financeiros e humanos, Divulgação, Apoio da comunidade e do poder público

Contato: Facebook. Clique aqui e acesse.

 

1 Comentário

  1. […] do Barragem (outro bairro local), Sidineia Chagas (que fala no vídeo acima) é gestora da Biblioteca Comunitária Caminhos da Leitura e do time de futebol de várzea Perifeminas, onde busca articular outras mulheres para discutir a […]

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