Por representatividade no trabalho, pessoas trans “criam” próprios empregos

Por representatividade no trabalho, pessoas trans “criam” próprios empregos

Com dificuldade para se inserir no mercado convencional, pessoas trans encontram formas para mudar a realidade

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Colaboração de Rô Vicente (@bixanarua). Foto em destaque: Cia Fundo Mundo / Nu Be

A vida profissional de Lui Castanho ficou complicada quando iniciou sua transição de gênero. Hoje identificado como um homem trans, ele começou a trabalhar como professor de línguas antes de transicionar. No decorrer do processo, foi perdendo cada vez mais alunos sem apontar justificativa. Era transfobia. Foi na arte que ele se encontrou profissionalmente e ficou confortável para trabalhar sem negar quem é. 

“No meio artístico do circo, nunca enfrentei problemas por ser uma pessoa trans. Nunca escondi de ninguém a minha transexualidade”, conta ele, que hoje tem 30 anos, mora na Cidade Patriarca (zona Leste de São Paulo) e trabalha como educador circense e produtor cultural. “Ao decorrer do tempo a gente pega mais intimidade com os alunos e, com a aproximação, vou falando aos poucos sobre o meu gênero. Mas o meu medo era com os familiares deles. Felizmente, nunca tive problemas”. 

Em 2017, Lui foi um dos fundadores da Cia Fundo Mundo, uma companhia circense exclusivamente formada por pessoas trans. O grupo tem como carro chefe o espetáculo “Sui Generes”, que aborda temáticas recorrentes do universo da transgeneridade de uma forma ácida e provocativa, carregada de humor.

Lui Castanho, artista circense e produtor cultural (Foto de Nu Be)

O que a história de Lui mostra é que o presente promete ser diferente para corpos que  foram marginalizados e excluídos de oportunidades no passado – e que muito disso ainda passa pela ação das próprias pessoas trans para mudar a realidade. Afinal, pessoas trans estão cansadas de serem vistas como pessoas singulares, que só podem falar sobre gênero e sexualidade ou que são apenas lembradas em junho, mês em que celebramos o Orgulho LGBTQIA+. Nós estamos aqui para mostrar que somos plurais e que temos muito a ensinar e a aprender também, enquanto advogades, enfermeires, psicólogues ou artistas.

Essa autoafirmação libertou Ariel Nobre enquanto profissional. Morador de Santana (zona Norte de São Paulo), antes da transição de gênero o artista e publicitário não conseguiu se desenvolver no mundo do trabalho. “Eu tinha uma certa paralisia. Porque eu não sabia o que eu queria ser, eu não sabia o que eu queria fazer. Não me sentia contemplado com nada”, revela Ariel, hoje com 33 anos. 

Ariel Nobre, artista e publicitário (Foto: Arquivo pessoal)

“O processo de transição bagunçou ainda mais isso, do difícil foi para o impossível. Na época eu não entendia, mas o trabalho tem a ver com identidade, você é a sua profissão. Tem a ver com o que você é. E como eu não sabia quem eu era isso se tornou o auge da minha depressão, que foi onde nasceu o meu maior trabalho”, relembra Ariel. 

Como fruto desse movimento, em 2015 ele criou o projeto “Preciso Dizer que Te Amo”, uma campanha de valorização da vida de homens trans. Ele não tinha respostas mas, com as escritas, o alívio apareceu. E com ele a atração de outras pessoas ao seu trabalho também aconteceu. Em 2018, Ariel dirigiu o curta-metragem de mesmo nome, que ganhou em 2019 o Prêmio de Melhor Filme no Goiânia Mostra Curtas. “Eu nasci da minha própria morte”, conta.

Ariel também criou o Trans Mercado, voltado para promover educação com enfoque em desenvolvimento profissional para a comunidade trans. A iniciativa prepara pessoas trans para o mercado e o mercado para pessoas trans com uma jornada de conhecimento, imersão e workshops sobre empreendedorismo, finanças, comunicação digital e marketing. Hoje, Ariel acredita que onde ele trabalha é mais acolhedor para seu corpo, além de ser necessária a existência de pessoas como ele dentro desses campos artísticos e publicitários.

Oportunidade

O Brasil é o país que mais mata pessoas trans e travestis no mundo. De acordo com os novos dados do Trans Murder Monitoring, nos primeiros nove meses do ano passado, 124 pessoas transexuais foram mortas no Brasil. Com isso, ocupamos o inglório topo do ranking dos mais violentos para essa população pelo 12º ano consecutivo. Da mesma forma, 90% da população trans e travesti ainda tem a prostituição como fonte de renda e meio de subsistência, segundo a Antra  (Associação Nacional de Travesti e Transsexuais).

Há um longo caminho a se percorrer. E Márcia Rocha segue nessa trajetória há pelo menos 14 anos. “Quando eu olho para 2007, quando comecei no ativismo, ou em 2013 quando fundamos o TransEmpregos, e comparo com os dias atuais eu vejo um avanço imenso. O preconceito ainda é muito grande, sinto isso na pele, mas está avançando muito rápido”, observa Márcia, mulher trans de 46 anos, advogada e  empresária. 

Márcia Rocha, empresária e advogada (foto: Arquivo pessoal)

Ela própria diz não ter sofrido tanto quando revelou sua transexualidade. Tinha 39 anos e uma carreira consolidada. Como isso é incomum na vida de pessoas trans, ela foi uma das criadoras da TransEmpregos. Voltada para a empregabilidade de pessoas trans, a iniciativa teve no último ano a oferta de 1.419 vagas exclusivas para pessoas trans oferecidas por 715 empresas parceiras. Desse total, 794 profissionais foram empregades. 

“As empresas estão realmente interessadas em diversidade, principalmente as multinacionais, não é só um jogo de marketing. Hoje são mais de 100 empresas multinacionais que contratam pessoas trans no Brasil. Tem muita pessoa trans competente e qualificada no mercado”, ressalta Márcia.

Apesar dos avanços no decorrer dos anos, precisamos entender que ainda há muito a ser conquistado. Mas acreditamos que, com a existência e a resistência dessas pessoas citadas acima, nós iremos construir um futuro mais promissor e representativo para todes.

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