Na crise da pandemia, cozinha solidária alimenta famílias em quebrada de SP

Na crise da pandemia, cozinha solidária alimenta famílias em quebrada de SP

Todas as quartas e sábados, tem almoço comunitário no Jardim Filhos da Terra, periferia da zona Norte de São Paulo

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Colaboração de Nathália Ract (fotos e reportagem)

Todas as quartas e sábados, tem almoço comunitário no número 3 da viela 1 na travessa Igarapé Progresso, que fica no Jardim Filhos da Terra, distrito de Tremembé (periferia da zona Norte de São Paulo). O rango atende em média de 120 a 150 pessoas por mês. A iniciativa é do Autonomia ZN, um coletivo que atua por meio da permacultura, da economia solidária e da educação popular, e começou em 2019. Com a pandemia e os cortes no auxílio emergencial, o aumento do desemprego e do preço da comida, a ação se intensificou para amenizar a insegurança alimentar que afeta famílias na quebrada.

A Periferia em Movimento acompanhou um dia de preparo. Para organizar o almoço do último 24 de julho, Thais Rodrigues, 36 anos, começou a cozinhar às 5h da manhã daquele sábado.

O cardápio do dia tinha feijão com beterraba e arroz com legumes, pimentão, cenoura e açafrão em pó, refogado de vegetais com batata, abobrinha, cenoura, hambúrgueres, purê de mandioquinha e salada com acelga, cebola e beterraba, além de 2 garrafas de 1,5 litro de suco de abacaxi. No dia anterior, ela também madrugou para descascar os vegetais adquiridos na feira. 

Thaís, cozinheira do projeto (foto: Nathalia Ract)

“Eu gosto de colorir os pratos”, conta Thais (em destaque na foto de capa), atualmente cozinheira do projeto. Mãe solo de 6 crianças, ela vive com a família em um quarto e cozinha. Como a sede do projeto ainda não tem fogão nem outros eletrodomésticos, ela utiliza a própria cozinha pra fazer os almoços. “Falta espaço, é uma casa pequena”, diz ela, que entrou para o projeto para lidar com a dor da morte de um filho.

“Cuidar da família é uma coisa normal. A gente cuida todos os dias, estando em luto ou não. Cozinhar também é a mesma coisa”, diz. Segundo ela, além de ajudar no luto, o projeto não deixa ela parada em momento nenhum. 

Este conteúdo aplica linguagem neutra e sem marcação de gênero. Saiba mais sobre isso aqui!

O projeto é realizado exclusivamente com doações e campanhas de apoio. Para ajudar, é possível doar via PIX para o CPF 339.094.378-18, em nome de Fernanda Suemy Y. Takemoto. Saiba mais aqui.

O Autonomia ZN articula, sobretudo, as mulheres desempregadas e trabalhadoras autônomas, que recebem uma diária a cada preparação de almoço. São mães que estão precisando de auxílio emergencial e serviços médicos gratuitos de qualidade. A maioria das pessoas que participa do projeto, incluindo as cozinheiras, se encontra nos dias de feira para realizar a xepa de alimentos.

Uma dessas mulheres é Jhenifer Oliveira Silva, 32, que paga R$ 650 em uma casa de aluguel na mesma região e é mãe solo de 6 crianças, sendo que um filho de 11 anos recebe acompanhamento do Centro de Atenção Psicossocial (CAPS). Foi pelo equipamento de saúde, inclusive, que ela soube do projeto. “Eu estou precisando? Você vai e me ajuda. Você está precisando? Eu vou lá e ajudo. E assim vai…”, explica Jhenifer, sobre a rede de apoio.

“Os almoços vêm da xepa, né? A gente vai nas feiras e não leva nem R$ 1 no bolso. A gente panfleta, fala sobre o projeto e mostra também no celular o instagram, o facebook o pessoal ajuda a gente com as doações de legumes, frutas, verduras, e com tudo que é doado é feito o almoço”, observam Thais e Jhenifer. 

Fortalecimento

A sede da cozinha comunitária está sendo construída em um espaço alugado, que ainda precisa ser reformado para executar todas as atividades previstas. 

“Tanto eu quanto as outras meninas cozinha em casa e traz pra cá. Só que agora, tendo o fogão, tendo o forno, tendo tudo dentro do próprio projeto, é mais fácil pra gente cozinhar”, afirma Thais, depois de carregar o almoço pela comunidade até a sede do projeto com a ajuda da sua família e vizinhos. 

Para além oferecer uma refeição saudável e adequada para as pessoas que estão em situação de vulnerabilidade social, o Autonomia ZN desenvolve diversas atividades de educação alimentar. Atualmente o projeto conta com a colaboração da nutricionista Cris Maymone e do curso sobre “Boas práticas na manipulação de alimentos”. A “Creative Commes” realizou o curso “Xepa, Triagem e Reaproveitamento de Alimentos” com as produtoras e a nutricionista Marcela Fraga trouxe “Receitas com plantas alimentícias não convencionais (PANCS)”. 

O projeto também está oferecendo aulas abertas para a comunidade de Yoga com a professora Maria de Fatima Caldelas e aulas de capoeira para as crianças com o Mestre Jeferson Camillo, o que proporciona o fortalecimento da ação coletiva entre crianças, jovens e adultes. 

Organização do coletivo Autonomia ZN (foto: Nathalia Ract)

“Tem gente com fome!” O povo organizado dá de comer

O que está acontecendo na periferia é muito sério. Nós estamos vivendo em um País em que a fome se estabeleceu na barriga de 19 milhões de brasileiros, segundo o recente estudo da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (Rede PENSSAN). 

A cada dia são maiores as dificuldades e o acesso aos direitos básicos com o aumento do preço dos alimentos consumidos pelas famílias de trabalhadores. No mercado, vemos a substituição dos alimentos por outros, que são mais baratos, porém menos nutritivos, e nas prateleiras encontramos fragmentos de arroz e feijão. 

“Aqui, se vive uma crise de segurança alimentar. Com a cozinha comunitária e as oficinas que vêm acontecendo, o tema da alimentação saudável é pauta a todo momento. Com as oficinas, todo mundo do coletivo vem aprendendo o que é e a importância de uma alimentação saudável, e assim as mulheres vão experimentando fazer novos pratos e compartilhando receitas”, explica o coletivo Autonomia ZN, que faz parte do Conselho Municipal de Segurança Alimentar e Nutricional (COMUSAN/SP).

(foto: Nathalia Ract)

Neste cenário muitas famílias têm consciência da privação dos seus direitos básicos, e os projetos das cozinhas comunitárias surgem como um movimento popular de solidariedade entre população e algumas entidades religiosas para amenizar os efeitos da pandemia de covid-19. Afinal, como ficar esperando apoio institucional para solucionar essa situação, sendo que o governo não garante alimentação gratuita e as ajudas estatais chegam por vezes muito tarde?

As cozinhas comunitárias são uma possibilidade de assegurar um prato de comida nutritivo em suas jornadas. No centro de São Paulo, por exemplo, durante o contexto da pandemia de covid-19, o Serviço Franciscano de Solidariedade (Sefras) distribui diariamente marmitas para a população em situação de rua e muitas outras pessoas que estão entrando na fila da fome. 

Projetos como esses vêm garantindo comidas diárias para pessoas que precisam sobreviver e precisam de ajuda – isso significa doações, comida e tempo para realizar as entregas e servir a comunidade. 

Clique aqui para conhecer outras iniciativas que amenizam o impacto da pandemia nas periferias.


1 Comentário

  1. […] recentemente, o governo passou a estudar a criação de cozinhas solidárias nos moldes das criadas na pandemia pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST), que mantém 31 […]

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