Não é de um aeroporto que o Extremo Sul precisa

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Por Ermínia Maricato e Mauro Scarpinatti, na Carta Maior

A região Metropolitana de São Paulo, uma das maiores concentrações urbanas do planeta, vive uma situação de esgotamento hídrico, que aponta para a eminência de um verdadeiro caos socioambiental. O que interessa destacar aqui é: o abastecimento de água para uma aglomeração de aproximadamente 20 milhões de pessoas constitui um problema de segurança pública de primeira grandeza, certo? Para alguns, não.

Nem mesmo a dramática possibilidade de colapso no abastecimento de água sensibiliza aqueles que veem o território da cidade unicamente como fonte de exploração para o lucro e insistem em um modelo predatório de um suposto “desenvolvimento”.

Exemplo típico deste comportamento é a insistência em instalar um aeroporto na região de Parelheiros, extremo sul do município de São Paulo. O imaginado empreendimento aeródromo  se destinaria à chamada aviação executiva – operada por táxis aéreos, helicópteros e cargas. Esse equipamento ocuparia uma fazenda com cerca de 4 milhões de metros quadrados   localizada na várzea do Rio Embu Guaçu, principal formador da represa Guarapiranga, responsável pelo abastecimento de aproximadamente 4 milhões de pessoas.

Denominado Aeródromo Rodoanel, o projeto aprovado pela Secretaria de Aviação Civil, em julho de 2013, tem como proponente a empresa Harpia Logística Ltda., pertencente aos empresários Fernando Augusto Camargo de Arruda Botelho (ligado ao Grupo Camargo Corrêa), e Andre Pamplona Skaf (filho do atual presidente da Fiesp, Paulo Skaf).

O distrito de Parelheiros, no Município de São Paulo, presta enorme serviço ambiental à região Metropolitana com suas matas nativas e cursos d’água. Apenas uma sociedade alienada em relação à sua própria realidade pode desconhecer a importância, a beleza e a biodiversidade de um ecossistema que raras cidades no mundo podem apresentar nos arredores, como é o caso dessa região. Mas ela é ambientalmente frágil e exige ser preservada.

O projeto da empresa Harpia Logística é incompatível com o zoneamento municipal que define a área como uma Zona Especial de Proteção Ambiental (ZEPAM) e Zona de Proteção e Desenvolvimento Sustentável (ZPDS). Contraria, também, diversas leis estaduais e federais, tanto que a Prefeitura de São Paulo (a quem cabe essa competência) negou o alvará solicitado pela empresa. Alertados para a ameaça, um grupo expressivo de urbanistas e planejadores, entre os quais estão professores, doutores da USP, da UNICAMP e da UFABC,redigiram um documento para destacar a ilegalidade do projeto e o impacto negativos que ele teria sobre o ecossistema.

Não satisfeitos os empreendedores ingressaram com mandado de segurança no Tribunal de Justiça de São Paulo, que por 3 vezes, negou o pedido. Aparentemente desacostumados a negativas, vislumbraram ainda a oportunidade de emplacar o seu projeto, tentando inserir brechas no Plano Diretor Estratégico do município de São Paulo, que está em fase de aprovação na Câmara Municipal onde arregimentaram o apoio de alguns vereadores.

Atuando desta maneira, os empreendedores manifestam absoluto desprezo com os interesses da cidade e com o ordenamento jurídico e exercem todo o seu poder de pressão para fazer valer os seus interesses em detrimento das necessidades da maioria da população e da segurança da metrópole.

O Brasil e a cidade de São Paulo, estiveram, historicamente, submetidos a este tipo de pressão e o resultado deste jogo nós todos conhecemos. A subordinação do interesse público em benefício privado, a exploração selvagem do espaço urbano nos conduziu a um cotidiano desumano que é fonte de patologias sociais como mostram inúmeras pesquisas que constatam, por exemplo, que 30% da população sofre de depressão, ansiedade mórbida e comportamento impulsivo.

Historicamente, os mananciais de abastecimento público de água da Região Metropolitana foram e são destruídos por um perverso processo de ocupação predatória e ilegal que, de um lado, revela a incapacidade das políticas públicas responderem à histórica demanda por moradia e, de outro, denuncia um mercado imobiliário altamente especulativo e excludente. No sul dessa metrópole moram quase 2 milhões de pessoas que lá se instalaram porque simplesmente não cabem na cidade controlada pelo mercado legal.

A região de Parelheiros possui 353,5 km2 de extensão territorial (é o maior perímetro de todas as Subprefeituras do Município de São Paulo). Tem uma população de 196 mil habitantes (são 6,7 hab/km2) a maior parte da qual está marcada pela vulnerabilidade social. Estamos diante da oportunidade de oferecer àquelas pessoas um tipo de desenvolvimento que não reproduza a destruição socioambiental tão característica dos nossos processos de urbanização em troca de uns poucos empregos (de “técnicos” e não de agricultores, como argumentam os que defendem o projeto).

Está em maturação, em diversas instâncias do governo municipal e da sociedade civil, uma proposta adequada à vocação do local: criar empregos com sustentabilidade ambiental por meio de 1) agricultura orgânica e familiar, 2) turismo urbano e gastronômico com circuito para bicicletas. A mobilização social solicitou a recriação da zona rural do município de São Paulo na proposta do novo Plano Diretor. E o que é melhor, essas propostas não estão apenas no papel pois algumas iniciativas já estão em andamento. É o caso da capacitação dos produtores rurais para a agricultura familiar orgânica visando, com essa produção, alimentar as escolas, creches, hospitais e outras entidades na região. Esse programa reúne os governos federal, estadual e municipal com rubricas orçamentárias já definidas.

No mundo todo luta-se para ter a produção de alimentos nas bordas das cidades evitando assim a viagem dos mesmos, uma causa importante do aquecimento global. Pensando na segurança alimentar nas cidades, os esforços de muitos ativistas da saúde humana e ambiental apontam a necessidade da eliminação dos agrotóxicos nessa produção. Agricultura familiar limpa, alimento limpo, rios e mananciais limpos, manutenção de mata nativa, favorece o turismo próximo e limita a expansão da impermeabilização do solo urbano, principal causa de enchentes. Ao invés de entupir as estradas para fugir da cidade nos momentos de lazer o morador da metrópole pode encontrar refúgio aqui perto. A dimensão desse verde não encontra paralelo nos parques urbanos. Tudo isso é fonte de criação de emprego. E já há um embrião desse processo em São Paulo, o que deve ser festejado!

Simultaneamente, é necessário investimento, principalmente nas áreas de saúde e educação, além de ações de preservação do segundo maior sistema produtor de água da nossa região Metropolitana.

São Paulo possui uma das maiores frotas de aeronaves particulares do planeta e evidentemente necessita de infraestrutura para operá-las, entretanto há que se debater claramente onde e como esta infraestrutura deve ser instalada.

Nada justifica a ingerência dos proponentes do aeródromo e de seus apoiadores para patrocinar alterações, na Lei de Zoneamento e no Plano Diretor, que venham a atender a tacanhos interesses de alguns. Tolerar essa intervenção seria escandaloso. Mais que isso, estaríamos negando a cidadania e a cidade e admitindo o triunfo da barbárie.

Ermínia Maricato é urbanista, professora titular da FAU-USP e integrante do Conselho da Cidade de São Paulo.
 
Mauro Scarpinatti é ambientalista, assessor da ONG Espaço de Formação Assessoria e Documentação.

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