Expresso Perifa: correria e crítica social de crias do hip hop no Grajaú

A analogia ao transporte público e ao silêncio de trabalhadores cansados dá a tônica do grupo que utiliza os elementos do hip hop para fazer crítica social

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Eles voltavam de uma apresentação na Universidade de São Paulo (USP), tarde da noite, e esperavam um ônibus sentido Grajaú. Mas só passavam veículos “expressos”.

“Daí eu brisei na ideia de um busão direto pra quebrada. Foi assim que surgiu o nome do nosso grupo: Expresso Perifa”, conta Goku, 27 anos, integrante do coletivo de hip hop formado por seis jovens moradores do Grajaú, no Extremo Sul de São Paulo.

A analogia ao transporte público traz em si uma crítica aos coletivos que diariamente parte lotados dos extremos até o centro da cidade, transportando os moradores que vão em busca de uma oportunidade e que voltam com a informação, o alimento, mas também com algumas frustações e desânimos.

“Somos a voz do gueto que não nem consegue gritar por cansaço”, define Rafael Adalbozo, 27.

É sobre esse trabalho que vamos falar em mais uma reportagem do “Cultura ao Extremo”, projeto realizado com apoio do programa Agente Comunitário de Cultura da Secretaria Municipal de Cultura de São Paulo que tem o objetivo de mapear e visibilizar as manifestações culturais no Extremo Sul da cidade.

Para saber mais e participar também, clique na imagem abaixo ou responda ao questionário no final da matéria.

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Crias de rua

Formado por Rafael Aldabozo, Zig do Xangri, Goku, Jacksom Madruga, Fernando Chocolate e Fernando Sampaio, o Expresso Perifa já existia antes de ser.

“Minha mãe lavava louça ouvindo Ndee Naldinho. Eu não entendia nada que ele cantava, mas já sabia que era rap”, lembra Rafael, cujo primeiro contato próximo com a cultura hip hop foi em um show do grupo Rebelião Mental no Parque Residencial Cocaia.

Com idade entre 27 e 31 anos, todos eles cresceram ouvindo rap nacional no auge e aprenderam com o hip hop o que a escola não oferecia.

“Nas aulas de história, não ouvi quem era Zumbi dos Palmares”, conta Zig do Xangri, que conheceu o líder negro do tempo da escravidão nas ruas. Porém, foi na mesma sala de aula que o menino criado na favela Real Parque conheceu Goku, que saía do Grajaú para estudar no Brooklin.

Juntos, Zig e Goku participavam de oficinas ministradas no Campo Limpo pelo MC Gaspar, do grupo de rap Z’África Brasil, e tiveram contato com nomes como Thaíde, Zulu Nation e toda a rapa da Casa do Hip Hop de Diadema.

Nessa época, Rafael já fazia sozinho alguns eventos de rap na garagem de casa, à margem da represa Billins, no Cocainha. O bairro estava ameaçado de remoção e os moradores se mobilizam com apoio da Rede Extremo Sul. Na militância, ele conheceu quem estava na cena há mais tempo, como o rapper JPA Epycentro e os grupos Xemalami e Clube do Berro.

“Foi que nem um ímã. A gente já estava vivendo isso. Só fomos nos encontrando”, conta Madruga, que conheceu os companheiros nas praças do Conjunto Habitacional Brigadeiro Faria Lima – chamado simplesmente de BNH –, onde até hoje se trombam no fim do dia para mandar rimas, trocar ideia ou tomar um goró.

“O Grajaú tem muito disso. Rock, reggae, quem curte maracatu, acaba se encontrando. Isso aqui é uma miscelânia”, diz Zig do Xangri, cujo apelido remete ao bairro Shangri-lá, onde vive.

O grupo de mais de dez amigos se uniu na Banda dos Cachorros Magros, que se desfez: alguns migraram para o reggae e soundsystem, e os remanescentes continuaram no rap.

Com o Expresso Perifa oficialmente criado em janeiro de 2013, os integrantes alugaram uma casa no bairro Lago Azul para driblar os desencontros da agenda e coneguirem produzir.

“Falamos pra dona da casa que íamos morar lá, mas transformamos em um estúdio. Ela ficou doida da vida porque só tinha caixa de som”, ri Rafael.

Foram seis meses de intensa vivênca e muitas brigas, fundamentais para composição das músicas. Mas, seis meses depois e com a grana curta, eles entregaram o imóvel. O primeiro álbum, “Ponto de Partida”, só foi lançado em junho deste ano e conta com 10 faixas.

Oficinas

Influenciados por educadores das ruas e inspirados pelas ações do Xemalami, grupo também origináro do Grajaú que utiliza o rap e o xadrez para debater questões sociais, em 2014 o Expresso Perifa inscreveu um projeto no Programa VAI para realizar oficinas de hip hop com crianças e adolescenes.

Por meio dos quatro elementos da cultura hip hop, eles abordaram direitos humanos, história da África e outras temáticas relacionadas ao dia a dia da quebrada.

Sem fomento em 2015, eles sentem a cobrança da comunidade e buscam outros meios para dar continuidade ao projeto.

A falta de recursos financeiros é a maior dificuldade para os integrantes do Expresso Perifa, que ainda assim fizeram quase 50 shows no ano passado, em diversos cantos da cidade, e faturaram apenas R$ 600. “Teve show que nem água tinha pra gente tomar”, conta Rafael.

“Apesar disso, as pessoas já sabem que, com uma tenda e duas caixas de som, nós já criamos um movimento. Não precisamos sair da nossa quebrada para nos divertirmos ou ter acesso a cultura de qualidade”, diz Rafael. “Basta enxergar o que está sendo produzido aqui, enxergar nossas qualidades”, completa Zig.

 

Tudo sobre…

Expresso Perifa

Região de atuação: Grajaú, Extremo Sul de São Paulo
Linguagens: Hip Hop
Temas abordados: Arte e cultura, Juventude, Culturas populares, Culturas afrobrasileiras, Culturas indígenas e Cultura de bairro
Público principal: De todas as idades, especiamente crianças e adolescentes
Critérios para participação das oficinas: Nenhum
Com quem se articula: Artistas locais e de outras localidades, Escolas públicas, Fóruns de discussão, Líderes comunitários, Movimentos sociais
Como se mantém: Recursos próprios e editais públicos
Maiores dificuldades enfrentadas no dia a dia: Recursos financeiros, Conhecimento sobre gestão, Tempo para dedicação ao trabalho
Contatos: pelo Facebook 

 

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