De volta ao Cemitério São Luiz, contra o genocídio nas periferias

De volta ao Cemitério São Luiz, contra o genocídio nas periferias

Em cemitério onde milhares de jovens vítimas da violência foram enterrados nos anos 1990, sociedade civil reivindica rede de proteção aos familiares de quem sofreu violência estatal. Um dia antes da audiência pública, foi enterrado no local o corpo do adolescente Lucas Custódio dos Santos, adolescente negro de 16 anos assassinado por agentes da Polícia Militar no Grajaú.

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No início da tarde da última sexta-feira (29 de maio), o corpo de Lucas Custódio dos Santos foi enterrado no Cemitério São Luiz, zona Sul de São Paulo.

Lucas, um adolescente negro de 16 anos, foi morto dois dias antes por agentes da Polícia Militar paulista na Favela Sucupira, no Grajaú, Extremo Sul da cidade. Conforme relevado pelo site jornalístico Ponte, o jovem jogava bola num terreno atrás da favela quando levou um tiro na perna. Assustado, teria corrido e foi alvejado por um dos policiais. Desde então, o Grajaú segue ocupado por viaturas policiais e moradores relatam abusos da corporação para impedir protestos.

No sábado seguinte ao enterro (dia 30 de maio), integrantes de movimentos sociais voltaram ao Cemitério São Luiz para lançar uma rede de proteção às famílias de vítimas da violência estatal.

O terceiro maior cemitério da capital paulista era o principal destino das vítimas da violência que marcou o Jardim Ângela, Jardim São Luiz e Capão Redondo nos anos 1990. Nessa mesma região, aconteceram nas duas primeiras semanas de março deste ano pelo menos 25 mortes – quase todas de jovens negros ou pardos.

“A ideia da rede surgiu dentro do Comitê Juventude e Resistência, porque vemos que os jovens estão morrendo e as famílias não têm a quem recorrer”, explica Marcio Bhering, do Centro de Direitos Humanos e Educação Popular (CDHEP) do Campo Limpo e membro do Comitê Juventude e Resistência.

Organizado por esse Comitê e pela Comissão da Verdade da Democracia “Mães de Maio”, a audiência pública contou com as presenças do prefeito Fernando Haddad e de Eduardo Suplicy, atual secretario municipal de Cidadania e Direitos Humanos de São Paulo, além de movimentos e coletivos como as Mães de Maio, o Fórum em Defesa da Vida, o Coletivo Tamo Vivo, a torcida organizada corintiana Pavilhão Nove, entre outros.

“O atendimento à saúde, por exemplo, é feito no sentido de calar os familiares, de não dar a eles espaço para falar dessa dor. A rede pretende garantir a fala sobre essa dor de uma forma segura, sem necessidade de remédios”, aponta Anabela Gonçalves, também do Comitê e do Bloco do Beco, que atua na região.

Entre as reivindicações da sociedade civil estão: a criação de canais de denúncia seguros; o subsídio do Estado a organizações que atuam contra o genocídio, assistência financeira e psicossocial a familiares de vítimas da violência estatal; o acesso à assistência jurídica e varas criminais descentralizadas (Leia abaixo a íntegra do termo de compromisso).

Último a falar, citando obras e programas da prefeitura sem relação direta com a temática da audiência, o prefeito Haddad assinou o termo apresentado e se comprometeu a apoiar a criação e consolidação da rede de proteção. O documento será apresentado ainda a membros dos governos estadual e federal, além do Judiciário.

Independente da articulação com o poder público, as organizações da sociedade civil pretendem criar a rede de proteção para denunciar os casos de violação de direitos e pressionar o Estado.

Ainda assim, Débora Maria da Silva, coordenadora do Movimento Mães de Maio, ressalta que é importante que essa rede de proteção tenha representatividade no poder público e seja efetiva. “A rede representa muito desde que vá funcionar”, diz.

Segundo ela, as Mães de Maio denunciaram o caso do assassinato de Lucas à Secretaria Municipal de Direitos Humanos e Cidadania de São Paulo, mas não obtiveram retorno. Ministério Público Estadual, Conselho Estadual de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana (CONDEPE), além da PM e da Secretaria de Segurança Pública paulista, também não se manifestaram sobre o caso.

Por isso, a próxima reunião da Comissão da Verdade da Democracia “Mães de Maio” deve acontecer no dia 14 de junho (domingo), no Grajaú.

“Essa rede de proteção tem que escancarar que a política existente é matar. Se não é isso, é aprisionar. E quando não aprisiona, tortura. [As esferas] municipal, estadual e federal são culpadas por essa marcha fúnebre prosseguir”, conclui.

 

Leia a íntegra do termo de compromisso apresentado no sábado, 30 de maio:

“Somos o Comitê Sociedade Civil Juventude e Resistência um grupo de moradores e trabalhadores da zona sul que a quase três anos se reúne para criar e apoiar ações que discuta os direitos da juventude e possam por fim ao assassinato dos jovens negros e pobres.

Nos esforçamos para direcionar nossas discussões às ações que são feitas no território, e não nos perdemos em conversas que tenham como exclusividade a relação com o governo.

Entendemos que melhorias para a cidade, não tem relação com as mortes da juventude causadas pelo racismo. Postes de luz, Praça Wi-fii, editais, não param a bala em direção ao jovem negro e pobre nas periferias.

A décadas todos nós, vivemos a realidade de parentes e amigos assassinatos, exilados, pessoas que tiveram que sair do bairro por conta situação de extrema violência.

Diante da falta de respeito, da indiferença, das promessas não cumpridas por nossos governantes e do descaso com as condições de vida do nosso povo, estamos aqui hoje para repudiar a pena de morte na nossa região, e em todas as periferias do Brasil.

Nós não quereremos que os nossos jovens precisem roubar, matar e traficar, e nem que ele seja morto por isso. Queremos que os governos garantam as nossas necessidades básicas.

Numa sociedade desigual como a nossa, somos todos vitimas. O nosso sistema político é racista e militarizado, e o mais prejudicado é o jovem negro e periférico. Sendo que 80% da população carcerária é negra. E dos mais dos 56 mil brasileiros assassinados, em 2014, mais de 70% são negros. Destes homícidios, apenas 8% em média são investigados. Não podemos admitir que algumas vidas valham mais do que outras.

Dentre os dez bairros que mais tiveram homicídios na cidade, sete estão na zona sul, com 263 mortes no ano de 2014. No ano de 2014, foram 963 mortes pela ação das polícias civil e militar no Estado de São Paulo.

Nas duas primeiras semanas de março desse ano houveram cerca de 25 mortes entre Jardim São Luiz, Jardim Ângela e Capão Redondo e Campo limpo, sendo quase todas de jovens negros ou pardos.

A segurança pública, paga com os impostos suados de todo trabalhador, é agressiva, bruta, truculenta, e mentirosa, ao invés de nos proteger e nos guardar. Graças a essa ferramenta do estado estamos batendo recordes de mortes nas quebradas todos os anos.

A morte dos nossos jovens negros, as abordagens regadas por torturas, e os recordes em número de mortes nos bairros da zona sul não pode ser tratada com naturalidade.

A violência que estamos denunciando, vai muito além dos assassinatos.

É violento quando um médico trata a dor de uma mãe com sedativos, e não ha espaço para falar da dor da perda. É violento uma família não ter o direito de velar o corpo de seu filho pelo tempo previsto na lei. É violento fechar as portas da delegacia, e atender mal as famílias que procuram ajuda. É extremamente violento essas famílias sofrerem ameaças. E é violento a sociedade justificar essas mortes com frases como “bandido bom é bandido morto”.

Os maiores responsáveis por isso são governo federal, municipal, estadual, e todas as secretarias envolvidas…

Para enfrentar todas essas violações de direitos e romper com a invisibilidade que vivemos, temos como proposta uma REDE DE PROTEÇÃO. Para que as famílias vitimais de crimes do estado, tenham todo o respaldo necessário para sua sobrevivência como cidadãos de direitos que foram violados.

Para que essa rede possa alcançar seus objetivos, e diminuir os danos causados pela violência de estado, temos as seguintes exigências:

  • Canais de denuncia, que possam garantir proteção;
  • Subsidio do estado a organizações e coletivos de que trabalham contra o genocídio, juventude, sem interferir em sua autonomia;
  • Garantir acesso aos equipamentos jurídicos;
  • Varas criminais descentralizadas;
  • Assistência financeira para as famílias vitimas da violência do estado;
  • Atendimento pisco social para as famílias vitimas da violência do estado;
  • Exigimos o comprometimento de todos os representantes do poder público presentes, com nossas propostas aqui apresentadas.

    E para fortalecer nossas parcerias e a construção de nossos objetivos que visam promover nossos direitos nas quebradas, estamos abertos para a construção coletiva com todos os coletivos e trabalhadores que quiseram somar”.

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